sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Silêncio

Cecília Camargo


a pluma
evidencia o peso do ar

em leve murmúrio
cai

a alvura corta
a transparência
da luz
descortinando
sombras

a ausência de ruído
denuncia
o choque
com o solo
que estremece
a seu contato

gozo
da antítese

sublimação

passagem

Cecília Camargo

marcar o tempo
qual grafismos na parede
coleciona pontas de incenso

a fumaça
queima os dias
e liberta fantasmas

o odor se espalha
alma e ambiente
louvores ao céu

a cada intervalo
junta as noites
e as espalha no jardim
oferenda pagã

ata
o Deus Único
as tradições milenares

cultiva assim
sua paz
e serena seu espírito

o corpo medido a palmo

Cecília Camargo

o corpo medido a palmo
datiloscopia

a pele cartografada

pelos como grama
crescendo em oásis

olhos supérfluos
toque que percorre
superfície conhecida
mas não menos desejada

o arrepio
ainda a percorrer a espinha
como da primeira vez

cada poro
pressentido e reconhecido
cada curva
a desejar mais

camada de elétrons
intensifica o contato
sacralisa o ato

equilíbrio

será que Vitrúvio
conseguiu chegar tão perto
da medida perfeita
que é sentir tua pele?

Equinócio

Cecília Camargo

cães ladram
do outro lado da janela
enquanto o tempo
se escoa

sobre a cama
dois corpos
entregues ao sono
da saciedade

os latidos
ecoam pelo vale

a noite morna cai
num prenúncio
de primavera

o crescente


Cecília Camargo



o crescente
em escorpião
prenuncia
vaticínios


da boca
que se abre
ressoam palavras
por si


consulta de oráculo
medos primais
sentenças
sem julgamentos


a espada flamejante
corta o céu
precisa
como a carta
do enforcado


olhares
perscrutam a noite
ansiosos


enquanto o abismo
observa
desdenhoso
a lua
em seu crescente

Instrumento de cordas

Cecília Camargo

nuances de torso
escapam sob a camisa
dedos ágeis
trasnformam
tato em som

o abraço não encerra
liberta notas vestígios
recompensa a manha
do objeto desejo

contato de pele
vibração
preenche o ar

mãos
que conhecem caminhos
e memórias
percorrem
fios
tesos tensos

melodia úmida
de sensação praze

Dürer

Cecília Camargo


per feito
a linha cruza o papel
desfila detalhes
circunda raízes

a voz de mestre
clama
reconhecimento

em silêncio
goivas se submetem
matrizes se transformam

o veio da madeira
entrega-se
às mãos sedutoras
que percorrem ávidas
caminhos conhecidos

a rotina não basta
precisa mais
busca incessante

joga à terra
mais que seu sêmen
mais que um filho

sua obra

exorta o homem
exortando a Deus
matriz
de todas as coisas

“Antiqüecer”

Cecília Camargo





A velhice é feita
De pequenas tristezas

Dessas
De sol poente
Que deixam a noite
Mal dormida

Tristezas vãs
Impressas
Nas olheiras matinais

Junto à pele
Migram
Aderem à retina
Penetram os olhos

Fixam-se na alma
Feridas tolas
Às vezes
Infantis

Fazem
Brotar lágrimas
Nascer cabelos brancos
Cansar

Os anos
Não fazem isso
A tristeza
Sim

Click

Cecília Camargo

1-

O foco
tenta apreender
o tempo

retorno ao passado
não vivido
encontro
com a lembrança
que não é minha

contornos
reforçam caminhos
milhares de vezes
pisados

suor
cansaço
medo
angústia

2-

esperança de dias melhores
(esta nunca morre
mesmo que morramos nós)

sentimentos largados
entre os paralelos
durante a caminhada
apressada e indigente

ao largo
esquecido
o transporte do resultado
do amálgama
da argila e do homem.

Sarau erótico

Cecília Camargo


questões de pele
esvoaçam
entre sedas
e rosas

sorvete
derretendo
em lábios
conjurando desejos

palavras em vai-e-vem
circundam
amores
sobre almofadas

cartas
esquecidas
lidas
destinatários
incógnitos

a profanação do sagrado
ressacralizando bacantes

vermelhos
e brancos
penetrados
pela brisa da noite

silente
discreta
a janela semi-aberta
a tudo assiste