quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Devaneios

Cecília Camargo

A respeito de flores
ao longo da ferrovia


Borboletas vermelhas
Frutificam nas árvores
Iludindo colibris

Num átimo
Vislumbram viajantes
Por entre janelas

Olhares cansados
Almas sufocadas

Contraponto

Com o verde ao redor
E com o vermelho
Nos galhos
Presos ao passado

Do andarilho
Que ressona
Sonhando com flores
Vermelhas voejantes

Gota de cernambi

Cecília Camargo

A respeito da sensação de
estar entre seus braços.


Abro os olhos
Percebo que repouso
Sobre um leito macio

Sinto que estou
Dentro da concha
Que docemente me hospeda

Antes de estar aqui
Já fui grão de areia
Áspero
Sem brilho

Aninhei-me na oferta
De seu carinho
E na maciez de suas entranhas
Me descobri

Lentamente
Seu calor me transformou
Dando-me brilho

Fui cingida
Por seu afeto
Ungida
Por seu suor

Nas noites partilhadas
Despojei-me das mazelas
Recobrindo-me do nácara
Que seu amor forneceu

Conheci a saciedade
Com sua presença
E minha plenitude
Reconhecendo-me pérola

Manto Sagrado

Cecília Camargo


tecido de nácara
a um toque se contrai
em frêmito

brandi meus seios
como punhais
que desenhavam no tecido
espirais

neste mapa
tão meu conhecido
vislumbro contornos
mordisco desejos

faminta saboreio
virilidade
no compasso da busca
cumplicidade

no silêncio do momento
escuto o grito do mundo
esquecido a um canto da alma

na noite que se esvai
me abandono
aninhada em seu calor

Voyer

Cecília Camargo


Você me olha
Sempre mudo
Olhar surdo
Silente
Indescente...

Olhar que indaga
Incomoda

Retribuo

Percebo
Um leve sorriso
De menino matreiro

Suave
Distante
Misterioso

Espero o dia
Em que poderei
Ouvir o som
De sua voz

Enquanto isso
Fico simplesmente
A me deixar observar

Diálogos mudos

Cecília Camargo

Para Emeric Marcier

Tentar ouvir
a imagem
ler cores
traduzir formas

brincar de esconde-esconde
por entre afrescos
e bancos da capela

deslumbramento de criança
olhar o velho
com novos olhares
desvelar

buscar símbolos
escondidos
décadas atrás
entre sacras imagens

descobrir o homem
traduzido no artista
em meio a multidão
que observa
a história
do mundo e da fé

e no fundo
bem no canto
esquecido na sacristia
um semblante
vela orgulhoso
sua grande obra